O debate acerca da necessidade de criação de um instituto que servisse de filtro aos recursos de revista que chegam ao Tribunal Superior do Trabalho não é novo. De conhecimento desta Especializada, em 2001 o Executivo editou a MP nº. 2.226, que acrescentou o art. 896-A à CLT, incluindo, na ocasião, o requisito da transcendência como pressuposto ao processamento da revista. Todavia, a aludida medida provisória não foi regulamentada e tornou-se objeto de ação direta de inconstitucionalidade.

Atualmente, a discussão volta à baila com a vigência da Lei nº. 13.467/17, mais conhecida como “Reforma Trabalhista”, que implementou diversas alterações tanto no Direito Material quanto no Direito Processual do Trabalho, havendo no Supremo Tribunal Federal mais de vinte ações diretas de inconstitucionalidade a questionar quais institutos são aplicáveis ou não, notadamente em razão das peculiaridades desta Especializada e de seu papel como ferramenta de equilíbrio na relação capital x trabalho.

Nesse cenário, o pressuposto da transcendência, agora incorporado ao texto consolidado pelo art. 896-A como requisito indispensável ao conhecimento de recurso de revista, estabelece critérios de importância em relação a reflexos de natureza econômica, política, social ou jurídica que transcendam a natureza individual da demanda, instituto similar à repercussão geral dos recursos em trâmite no STF.

Entretanto, a aplicação da transcendência tal como tem ocorrido, com a consagração de critérios sobremaneira discricionários e subjetivos e com o objetivo único de solucionar o problema do excesso de recursos no âmbito do TST, mostra-se equivocada e, em última análise, afronta o direito fundamental de acesso à justiça insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, o qual garante a todo cidadão não apenas o ingresso em juízo, mas o término do processo com a análise satisfativa do direito discutido.

Aliás, a inexistência de um conceito ou definição legal objetivo acerca do que seria “transcendência” pode conduzir a uma decisão judicial desfundamentada, na medida em que utiliza conceitos jurídicos vagos e indeterminados, nos termos do que dispõe o art. 489 do CPC.

Entretanto, na prática, a transcendência tem servido para tentar barrar o grande número de recursos de competência do TST, o que parece equivocado e inadequado, notadamente diante do fato de que, em agravo de instrumento em recurso de revista, pode o relator, monocraticamente e por decisão irrecorrível, decidir pela inexistência do aludido pressuposto e, por conseguinte, denegar provimento ao apelo, ainda que de forma equivocada.

Ainda, tal como estabelecida, a irrecorribilidade da referida decisão monocrática tem o condão de afrontar, a um só tempo, o art. 1.022 do CPC – na medida em que impede o manejo de Embargos de Declaração quando, sabidamente, o recurso é cabível contra qualquer decisão judicial –, e o art. 102, inciso III, alíneas “a” e “b”, da Carta de 1988, uma vez que obsta indevidamente a competência do Supremo Tribunal Federal, na medida em que a negativa por “ausência de transcendência” impede o acesso àquela Corte, a quem compete a derradeira análise da questão constitucional, a ser aviada por meio de recurso extraordinário.

Daí exsurge a necessidade de provimento jurisdicional a analisar as questões constitucionais ora em discussão, à luz do controle difuso de constitucionalidade, segundo o qual a competência para fiscalizar a validade das leis é outorgada a todos os componentes do Poder Judiciário. Assim, a situação exige atuação desta Especializada como forma de garantir eficácia ao princípio do acesso à justiça e inafastabilidade da jurisdição.

Frise-se, ademais, que sequer há unanimidade entre os ministros do C. TST quanto à aplicabilidade imediata ou não do aludido instituto, em que pese ter sido incorporado ao regimento interno daquela Corte (art. 247), o que demonstra, mais uma vez, a necessidade de maior debate acerca do tema e manifestação do Supremo Tribunal Federal acerca da questão.

Assim, considerando a subjetividade do dispositivo legal, vale a lição de José Alberto Couto Maciel[1] a respeito da transcendência:

“Essa transcendência não é matéria de direito, mas entendimento subjetivo do Ministro, dependendo dele exclusivamente dizer sobre relevância da matéria, pois, na verdade, não se trata de transcendência de palavra espiritual dirigida ao Criador (LTr 65-09/1035)”

 

Não obstante, forçoso destacar, ainda, que a legislação trabalhista (e suas alterações) deve guardar compatibilidade não somente em relação à Carta de 1988, mas também com as normas de cunho internacional aplicáveis ao Brasil, a exemplo das convenções da OIT e de tratados internacionais.

Nesse compasso, e diante das inúmeras inconstitucionalidades promovidas pela “Reforma Trabalhista”, pede-se vênia para transcrever o Enunciado nº. 2 emanado pela Anamatrain verbis:

Os juízes do trabalho, à maneira de todos os demais magistrados, em todos os ramos do Judiciário, devem cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis, o que importa no exercício do controle difuso de constitucionalidade e no controle de convencionalidade das leis, bem como no uso de todos os métodos de interpretação/aplicação disponíveis. Nessa medida: i. Reputa-se autoritária e antirrepublicana toda ação política, midiática, administrativa ou correicional que pretender imputar ao juiz do trabalho o “dever” de interpretar a Lei 13.467/2017 de modo exclusivamente literal/gramatical; ii. A interpretação judicial é atividade que tem por escopo o desvelamento do sentido e do alcance da lei trabalhista. É função primordial do Poder Judiciário trabalhista julgar as relações de trabalho e dizer o direito no caso concreto, observando o objetivo da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade mais justa e igualitária. Exegese dos artigos 1º, 2º, 3º, 5º, inciso XXXV, 60 e 93, IX e 114 da CRFB; iii. Inconstitucionalidade do § 2º e do § 3º do artigo 8º da CLT e do artigo 611-A, §1º, da CLTSerá inconstitucional qualquer norma que colime restringir a função judicial de interpretação da lei ou  imunizar o conteúdo dos acordos e convenções coletivas de trabalho da apreciação da Justiça do Trabalho, inclusive quanto à sua constitucionalidade, convencionalidade, legalidade e conformidade com a ordem pública social. Não se admite qualquer interpretação que possa elidir a garantia da inafastabilidade da jurisdição, ademais, por ofensa ao disposto no art. 114, I, da CF/88 e por incompatibilidade com os princípios da separação dos poderes, do acesso à justiça e da independência funcional (grifou-se).

 

Desse modo, razoável e necessária a presente reivindicação, na medida em que busca viabilizar discussão mais ampla acerca da solução judicial pleiteada, à luz do art. 5º, incisos XXXV e LV, da Constituição Federal, notadamente em face das restrições para acesso à jurisdição extraordinária, consoante o art. 102, inciso III, alíneas “a” e “b”, da CF/88.

Ante o exposto, e considerando que a Constituição da República consagra como direitos fundamentais o acesso à justiça e a inafastabilidade da jurisdição, requer a declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 896-A da CLT, nos termos dos argumentos acima.

[1] Apud CARRION, Valentin. 1931-2000. Comentários á consolidação das leis do trabalho / Valentin Carrion – 34ªed. Ed. Atual. Por Eduardo Carrion. – São Paulo: Saraiva, 2009. p.796.

Por: Augusto Alcantara Vago, advogado do FFA Brasília 

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