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Por Christiana Beyrodt Cardoso e Melitha Novoa Prado
Especialmente em tempo de pandemia, importante observar que, além do recurso ao Judiciário, há diversos métodos eficientes de resolução de conflitos, também conhecidos como ADRs – Alternative Dispute Resolution e ODRs – Online Dispute Resolution, que estão à disposição do setor de varejo e de franchising para garantir acesso à justiça e melhores resultados para as partes envolvidas em conflitos em termos de tempo e custos, como a Mediação.
Hoje se reconhece que o acesso à justiça deve ser entendido como acesso à ordem jurídica justa[1] e que métodos mais adequados de resolução de conflitos sem envolver o judiciário, pode ser a solução eficiente para grande parte dos conflitos empresarias nesta época desafiadora de pandemia, bem como ajudar muito na retomada da economia.
É dever dos advogados[2] trabalhar para tornar o uso do Poder Judiciário mais sustentável, utilizando-se deste apenas quando necessário em atendimento ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 da ONU[3], de paz, justiça e instituições eficazes.[4]
Vale observar que submeter todos os conflitos ao Judiciário, como estávamos acostumados e como culturalmente os advogados foram incentivados nas universidades e academia, esbarra na atual necessidade de desenvolvimento rápido de nossa economia, no conceito binário de ganhador e perdedor e na incerteza das novas jurisprudências que a pandemia trouxe.
Vale ressaltar que no Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e da Advocacia está disposto que é dever do advogado “estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios” (art. 2º, parágrafo único, inc. VI, Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e da Advocacia).
Nesse sentido, a OABSP editou Nota Técnica onde reconhece que a “advocacia utilizando métodos consensuais também é advocacia” e “resolver os conflitos sem recorrer ao Poder Judiciário utilizando métodos consensuais também é advocacia”. E valoriza o profissional e a função social do advogado recomendando que: “para cooperarmos com a administração da justiça, espera-se do advogado uma postura assertiva, dinâmica, estratégica, propositiva, com habilidades de negociação em favor dos interesses de seus clientes a fim de solucionar os problemas pelos quais estes passarão em decorrência da grave crise econômica e social derivada da Pandemia da COVID-19”.[5]
Sobre o setor de franchising especificamente, são diversas as dificuldades que geram grandes transtornos hoje, mais precisamente:
– negociações conturbadas com administradores de shoppings;
– dificuldades de acesso `as informações precisas sobre a pandemia;
– negociações difíceis com fornecedores;
– negociações tensas com funcionários e colaboradores;
– Criacão de novos canais de vendas (online);
– Gestão de equipes em home office;
– Queda brusca no faturamento das unidades franqueadas;
– Alteração da forma de comunicação com os franqueados;
-Alteração da forma de relacionamento com os colaboradores;
-Dificuldade na comunicação com os clientes;
– Dificuldades de adaptações sanitárias, que geram maior custo;
-Dificuldade em manter a estabilidade emocional da rede franqueada;
– Afastamento físico dos franqueados;
-Fechamento de unidades franqueadas;
– Suspensão das principais feiras e eventos do setor.
Na maioria destas dificuldades, o grande desafio do Franqueador é administrar com muita empatia, assertividade e coerência, os conflitos que podem surgir nestas relações, que se baseiam não apenas em contratos firmados, mas em parcerias construídas durante muitos anos de trabalho e dedicação.
Certo é que, apesar dos conflitos serem inerentes à vida empresarial e às relações, existe um lado positivo que representa amadurecimento e fortalecimento de vínculos, e inegavelmente esta pandemia trouxe, ainda, maiores desafios que precisam ser enfrentados com muito diálogo e soluções criativas, que atendam interesses das múltiplas partes envolvidas, sobretudo neste setor que contempla relações duradouras de mútua confiança.
Geralmente o setor de franchising conta com debates sobre:
i) taxa de franquia, que se refere à contrapartida inicial, geralmente estabelecida em valor fixo e paga de uma só vez, que remunera o franqueador pela assistência para implementação da franquia, pela transferência do know-how e pela cessão do uso da marca e sinais distintivos, além da cessão dos manuais de operação, do acesso aos projetos arquitetônicos e da assessoria na escolha do ponto comercial.
ii) royalties, que traduzem a contraprestação periódica paga pelo franqueado a título de remuneração pela assistência técnica fornecida, pela manutenção do uso da marca e por todos os benefícios que o pertencimento à rede de franchising lhe proporciona. Normalmente pode ser calculada tanto com base no faturamento mensal bruto (“Sell out”) ou sobre o volume decorrente da compra de produtos/serviços que serão disponibilizados ao consumidor final (“Sell in”).
iii) taxa de publicidade que corresponde à contribuição do franqueado e é paga, em geral, mensalmente, e estabelecida em percentual do faturamento ou em valor prefixado no contrato, voltada a cobrir as despesas com a divulgação da marca e dos produtos/serviços, objeto da franquia.
iv) locação, quando o franqueado subloca o ponto comercial do franqueador.
As dificuldades para resolver os atuais conflitos, diante da pandemia, se apresentam sobretudo em vista do silêncio da nova Lei de Franchising n.13.966/2019, que entrou em vigor no último dia 26 de março 2020, e não trouxe luz para as soluções dos desafios atuais.
Diante da falta de regramento específico e na ausência de previsão contratual impõe-se buscar a solução adequada a partir de interpretação sistemática do ordenamento jurídico, seja teoria da imprevisão, fato do príncipe ou onerosidade excessiva.
No que se refere a taxa de franquia, caso ainda não tenha sido paga, por que normalmente é feito no início da relação, afigura-se possível cogitar a renegociação da forma do pagamento em vez de o valor ser pago de uma só vez, com um parcelamento, a permitir ao franqueado para que pague a taxa na justa medida do trabalho que puder ser realizado pelo franqueador na conjuntura atual. Contudo, isto demanda a necessária negociação.
Quanto aos Royalties importante considerar que o percentual normalmente é estabelecido tomando por base certo estado de coisas, potencialidades regulares da marca, sendo que uma vez alterado por fato inimputável a ambas as partes pode justificar possível redução à proporção das “deteriorações”.
A taxa de publicidade depende do objeto da franquia e da estratégia de marketing do franqueador.
Com relação às locações, as incertezas são enormes diante da pandemia, uma vez que as decisões judiciais nas ações de despejo por falta de pagamento apresentam critérios subjetivos variados, que podem ir desde a ponderação que ainda não é possível auferir se o avanço do vírus causará recessão econômica, até a decisão de suspensão da liminar de despejo e não pagamento de aluguéis[6].
Nessa conjuntura, observa-se que a incerteza jurídica, demanda tempo e riscos, com o qual o empresariado neste momento não consegue suportar.
Contudo, os advogados podem e devem auxiliar muito o setor com a implantação de um Desenho de Sistemas Solução e Prevenção de Disputas adequado, customizado para cada cliente. O Desenho de Sistemas Solução e Prevenção de Disputas (DSD) consiste na organização técnica e planejada de procedimentos e recursos para a elaboração de sistemas de prevenção, gerenciamento e resolução de disputas de acordo com a necessidade do cliente, sejam empresas ou pessoas.
Assim, mais do que nunca o setor precisa de advogados parceiros dos diversos negócios, que encontrem soluções rápidas criativas, eficientes para solucionar conflitos para a retomada da economia, de preferência online por conta do necessário distanciamento social.
Os advogados devem auxiliar atentando para os custos decorrentes do conflito (financeiro e emocional, dentre outros); a possível satisfação com os resultados; a matriz de risco de se levar o conflito para uma jurisdição; os efeitos produzidos na relação em decorrência do método escolhido e a possível recorrência conflitual.
Os métodos online têm se mostrado extremamente eficientes, pois resolvem conflitos de forma rápida, com menos, circulação, custos, gastos de carbono, permite muitas vezes que gestores e CEO’s que antes não conseguiam participar dos processos e das decisões contribuam por permitir agenda mais flexível, além de oferecer melhor experiência aos usuários.
E existem diversos métodos adequados de resolução de conflitos à disposição sejam presenciais ou online que podem ser utilizados, dentre eles podemos destacar :
Conciliação é um processo voluntário, ideal para relações passageiras, já que o conciliador “atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem”, como dispõe a lei, art. 165, parágrafo 2º do CPC.
Mediação é “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”. Vale observar que a mediação é ideal para relações duradouras, perfeito para o setor de franchising, já que o profissional capacitado, independente e imparcial que é o mediador “atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”, tudo nos termos dispostos em lei, notadamente artigo 1º, parágrafo único da Lei 13.140/2015 e art. 165, parágrafo 3º do CPC.
A Mediação online, tem previsão legal e segurança jurídica, pois prevê a lei que pode ser feita pela internet ou por outro meio de comunicação que permita a transação à distância, desde que as partes estejam de acordo nos termos do art. 46 da lei 13.140/2015 e art. 334 , parágrafo 7º. do Código de Processo Civil
Negociação, técnica que deve ser conhecida e utilizada por todos, essencial na mediação, conciliação inclusive no judiciário, principalmente pelos advogados, pois “admite-se a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição”, nos termos do art. 166, parágrafo 3º. do CPC.
Como exemplo de negociação temos os “Comitês de Gestão de Crise” para avaliar, trazer soluções e elaborar cenários de auxílio aos franqueados na recuperação da operação, momento em que Franqueadores, prestam também suporte na negociação junto aos fornecedores homologados e locadores.
Arbitragem é um método extrajudicial de solução de conflitos, decorrente de um compromisso de vontade das partes que remetem uma questão controvertida, sobre direitos disponíveis, à apreciação de uma ou mais pessoas, imparciais e independentes – os árbitros, os quais são escolhidos pelas próprias partes.
Vale observar que a lei 13.996/2019 expressamente versa sobre a arbitragem, dispondo : Art. 7º § 1º “As partes poderão eleger juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas ao contrato de franquia.”
O árbitro é juiz de fato e de direito eleito pelas partes, por isto o momento mais importante da arbitragem é o de escolha dos árbitros, que deve recair sobre profissionais especializados na matéria ou no direito material em debate e com disponibilidade, pois uma vez instaurado o procedimento, o árbitro é responsável pela condução e pela decisão da controvérsia, a qual obriga as partes, já que a sentença arbitral é título executivo judicial, contra o qual não cabe recurso[7].
Por ser voluntária e ter procedimento flexível a arbitragem pode ser presencial ou online de acordo com as disposições das partes[8].
Dessa forma, as partes no setor de franchising e seus Advogados, devem ficar atentos para observância dos princípios do método de resolução de conflitos mais adequado e se optar pela via online deve atentar ainda para que:
O profissional escolhido para intervenção, sejam árbitros, mediadores, negociadores ou conciliadores, tenham as competências próprias exigidas a cada método, disponibilidade, bem como precisam ter familiaridade com as tecnologias de comunicação e práticas de procedimentos remotos;
as partes registrem o consenso quanto ao uso da plataforma online para áudio e vídeo conferência que serão utilizadas no procedimento;
as regras de Cyber segurança e proteção de dados precisam ser consideradas acordadas obtendo o respectivo consenso de forma registrada pelas partes;
Exista uma organização de suporte técnico para todos os participantes do procedimento remoto garantindo a ampla defesa na arbitragem e participação com isonomia na mediação, por exemplo;
Exista garantia da confidencialidade do procedimento, assegurando-se de que há a subscrição de termo confidencialidade por todos os participantes do procedimento;
Cuidar antes da escolha de câmara, ou plataformas, da verificação de seus custos, regras de procedimento, que devem ser compatíveis com as expectativas e possibilidades das partes, além de conformidade com seu compliance e normas próprias, dentre elas a de proteção de dados (LGPD);
É fundamental que se estude as disposições legais e regulamentares para bem utilizar os métodos adequados de resolução de conflitos, para que a experiência no uso destes seja boa.
Assim, antes de utilizar quaisquer métodos de resolução de conflitos é fundamental observar uma desenho de sistemas de prevenção e solução de disputas para averiguar quais métodos são os mais adequados ao tipo de conflito, implementando-o na forma mais econômica, rápida e eficiente, para que proporcione a melhor solução custo/benefício, e traga ainda mais criatividade para auxiliar o setor de franchising e varejo na superação de conflitos na retomada da economia.
Christiana Beyrodt Cardoso
Advogada especializada na área de resolução de conflitos empresariais e Arbitragem. Mediadora certificada pelo ICFML, Fundadora e Coordenadora do Grupo Café com Mediação, COO da DSD2B.
Melitha Novoa Prado, Advogada especializada em varejo e franchising, sócia fundadora da Novoa Prado Advogados.
[1] WATANABE, Kazuo, Acesso à Ordem Jurídica Justa, Editora Del Rey, 2019.
GRINOVER, Ada Pellegrini Grinover, Emsaio sobre a Processualidade , Gazeta Jurídica
[2] Código de ética e disciplina da OAB Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce. Parágrafo único. São deveres do advogado: (…)VI – estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios;
[3] ODS16.ONU https://nacoesunidas.org/pos2015/ods16/
[4] ISOLDI, Ana Luiza, Mais processos judiciais: tudo que o Brasil não precisa em meio à pandemia, Jota, 20/05/2020. In https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/mais-processos-judiciais-tudo-que-o-brasil-nao-precisa-em-meio-a-pandemia-20052020
[5] ISOLDI, Ana Luiza, Mais Processos Judiciais, tudo que o Brasil não precisa, Jota : in https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/mais-processos-judiciais-tudo-que-o-brasil-nao-precisa-em-meio-a-pandemia-20052020
[6] LYS, Vivien, Mediação e conciliação são ferramentas fundamentais para o advogado na Covid-19, Consultor Jurídico, https://www.conjur.com.br/2020-jun-14/vivien-lys-importancia-mediacao-onciliacao
[7] Art. 31 Lei 9307/96. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.
Art. 515 do Código de Processo Civil. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:VII – a sentença arbitral;
[8] Art. 5º Lei 9307/96. Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem.
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