Posso dar umas palmadas no meu filho? A polêmica envolvendo a Lei Menino Bernardo

osso dar umas palmadas no meu filho?

Muitos já ouviram falar da “lei da palmada”. Mas tal expressão não faz jus ao conteúdo da lei, pois gera a ideia de que o que ela fez foi proibir a aplicação do castigo físico ao menor de idade, quando, na verdade, seu conteúdo é bem mais abrangente.

A lei também proíbe o uso de tratamento cruel e degradante, e define o que seja isso: é considerado cruel ou degradante a conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize o menor! E atenção: mesmo que a intenção do autor da conduta seja a de corrigir, disciplinar ou educar! A lei proíbe o uso de violência como ferramenta pedagógica, qualquer que seja o pretexto.

É humilhante e ridiculariza o menor, por exemplo, o uso de apelidos que destaquem alguma dificuldade que ele venha a ter. Para a lei, isso tem o mesmo efeito de uma “palmada”.

A “lei da palmada” é resultado de um projeto que já vinha tramitando há anos no Congresso Nacional, e foi aprovado em junho de 2014. Isso se deu sob a comoção gerada pela morte do menino Bernardo Boldrini, aos onze anos de idade, motivo pelo qual também é conhecida pelo nome Lei Menino Bernardo. Com ela, o Brasil se coloca ao lado de outros 62 países que proíbem punição física a crianças em qualquer ambiente (doméstico, escolar, etc.).

Vale destacar que a lei não se aplica apenas a crianças. Ela também protege adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define como criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, sendo adolescente aquele que tiver entre 12 e 18 anos. Logo, podemos usar o conceito de “menor de idade” para abranger as duas categorias. Aos 18 anos completos, atinge-se a maioridade.

MUDANÇAS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)

A Lei Menino Bernardo agregou novas regras ao ECA, e é daquelas iniciativas legislativas que trazem em seu cerne um conteúdo que está além de nosso tempo presente em termos de “cultura média”.

Assim como é comum dizermos que algumas pessoas, por sua maneira de pensar e agir, “estavam além de seu tempo”, isso também pode acontecer com algumas leis.

Com base nisso, o que devemos concluir? Que elas não deveriam ter sido produzidas, pois tendem a “não pegar”?… Pelo contrário! Leis como a que proíbem o uso de violência sobre menores podem servir para nortear os rumos de certas práticas sociais. No momento em que editadas, é até razoável que causem enorme polêmica, na medida em que inseridas num contexto sociocultural que se propõem a alterar.

Com o passar do tempo, as condutas que se procuraram melhorar por meio da lei, quando vistas em perspectiva, é que passam a causar espanto.

Exemplo disso é o hábito de fumar em ambientes fechados. Sou da época em que, mesmo no interior de aeronaves, era permitido fumar na metade dianteira – e proibido na metade traseira –, como se a fumaça deixasse de ocupar todo o espaço do avião! Atualmente, é impensável alguém pretender fumar em espaços fechados! No entanto, há países em que a cultura do tabagismo ainda impera, e onde a pretensão dos não-fumantes é que é vista como importunação ilegítima…

Portanto, vejo a Lei Menino Bernardo como um marco positivo em nosso sistema jurídico, na medida em que veicula princípios fundamentais, a indicar o que deve ser evitado na relação entre os menores e as pessoas responsáveis por seus cuidados e educação.

SER EDUCADO SEM O EMPREGO DE VIOLÊNCIA É UM DIREITO DO MENOR

Outro ponto digno de destaque: ser educado e cuidado sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel e degradante é um direito do menor e, em se tratando de direito, pode ser imposto pelas autoridades a qualquer pessoa que tenha o menor sob sua responsabilidade: pais, parentes, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada dos cuidados.

A violação deste direito pode ser denunciada, por qualquer pessoa, ao Conselho Tutelar, que está autorizado a tomar medidas variadas de proteção ao menor, comunicando ao Ministério Público os fatos mais graves.

A depender da gravidade do caso, a lei autoriza o Conselho Tutelar a encaminhar os responsáveis pela violência a programas oficiais de proteção à família; a tratamento psicológico ou psiquiátrico; a cursos ou programas de orientação, tendo, ainda, a obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado, sem prejuízo de informar os fatos ao Ministério Público, a quem caberá buscar outras medidas.

Acho curioso ouvir de pessoas de minha geração comentários do tipo: “Quando eu era criança, tomava belas palmadas, mas reconheço que merecia, e isso não me fez nenhum mal, pelo contrário!” Será mesmo?… Primeiro, é suspeito a gente se tomar como exemplo de boa educação. Segundo, se você, que tomou palmadas na infância, acha que foi bem-educado, imagine como seria se seus pais estivessem preparados para educá-lo por outros meios?…

Creio que, com esse questionamento, talvez cheguemos ao ponto central da reflexão e do desafio trazido pela Lei Menino Bernardo: na verdade, ela aponta para a capacidade dos adultos de lidarem com as dificuldades de uma boa educação. E, neste sentido, existe a tendência de nos guiarmos por aquilo que conhecemos, de reproduzirmos o método de educação que foi aplicado a nós, sem submetê-lo a um juízo crítico.

Não faltam pesquisas a demonstrar a inadequação do uso da violência na formação do caráter e da saúde mental do futuro adulto. Na verdade, o uso da violência decorre menos de uma decisão, do adulto, de aplicar uma metodologia em que acredite, e mais de sua sujeição a impulsos irracionais, lastreados na raiva, no medo, na frustração diante de circunstâncias dadas em sua relação com o menor.

Ligia Moreiras Sena, autora do livro “Educar sem violência: criando filhos sem palmadas”, bióloga, mestre em Psicobiologia, doutora em Farmacologia e em Saúde Coletiva, destaca que uma palmada ensina, sim, mas não exatamente aquilo que se pretende. “Ensina outra coisa. Ensina apenas que se ela [a criança] fizer aquilo e um adulto souber, apanhará e sentirá dor. Por essa lógica, bastaria, então, fazer aquilo somente quando o adulto não estiver, ou esconder o que foi feito.” E prossegue: “Por esse prisma, palmada ensina mesmo, ensina sim, ensina muitas coisas. Ensina que somos passíveis de violência. Ensina que a violência é justificável quando nós achamos que é. Ensina que amor e violência podem andar juntos. Ensina que, para escapar da violência, basta fazer escondido. Ensina a mentir.”

A rigor, aqueles que precisam recorrer a palmadas ou a formas de violência psicológica para educarem os menores sob sua responsabilidade, na verdade estão confessando a falta de conhecimento sobre as melhores práticas de educação.

Certamente, não faltarão argumentos no sentido de que a proibição do emprego de castigos transformará as crianças em “pequenos tiranos”, com efeitos nefastos em longo prazo. Sem dúvida, para os que veem no castigo uma ferramenta pedagógica, sua proibição os deixará impotentes. É preciso substituir o “chicote” por outra coisa, e essa “outra coisa” precisa ser buscada por quem se dispõe a educar. Quantos estarão dispostos a isso?

Partindo de uma perspectiva mais ampla, dada por doutrinas milenares, focadas no autoconhecimento, é possível afirmar que, quando o homem reage com violência a determinado estímulo, é porque foram ativados aspectos menos desenvolvidos de sua personalidade. Logo, há aí algo a ser aprimorado! Em outras palavras: a violência nunca é a melhor resposta ao que quer que seja.

No ano de edição da lei (2014), a Agência Senado produziu um vídeo bastante interessante, no qual conta a história da “cabeleireira Maria”, que perdeu a guarda de sua filha, de 14 anos de idade, por maus tratos. Além de Maria, a matéria dá voz a outras pessoas, funcionando como um “mosaico” da polêmica gerada. Vale a pena conferir (clique aqui).

Fato é que, ao vedar o uso da violência, longe de trazer uma solução, a Lei Menino Bernardo lança luz sobre o problema: a construção de uma sociedade de paz passa pela necessidade de educar os educadores! Sim, como sociedade, estamos diante da tarefa de educar os pais a educarem os seus filhos. Não sei se serve de consolo: é tarefa que se impõe não só a nós, brasileiros, mas aos educadores em todo o mundo.

A Lei Menino Bernardo, ao punir as práticas pedagógicas consideradas nefastas, institucionalizou o esforço para superação deste desafio.

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Indicações bibliográficas:

Educar sem pirar, de Nanda Perim, Editora Best Seller
Educação não violenta, de Elisama Santos, Editora Paz e Terra
Por que gritamos, de Elisama Santos, Editora Paz e Terra
Nossa infância, nossos filhos, de Thais Basile, Editora Matrescência
Educar sem violência: criando filhos sem palmadas, de Ligia Moreiras Sena, Editora Papirus / 7 Mares

Pode ter menor de idade num inventário extrajudicial?

menor em inventário extrajudicial

Sim, pode haver menor de idade e, mesmo assim, o inventário ser feito extrajudicialmente.

No ano de 2007 passou a fazer parte de nosso sistema legislativo a Lei nº 11.441, lei esta que acabou por permitir o processamento, em Cartório, ou seja, extrajudicialmente, de inventário, partilha, divórcio consensual e separação.

Já o Código de Processo Civil, em seu artigo 610, menciona, sem qualquer dúvida de interpretação, impede a realização de inventário extrajudicial se houver testamento ou incapaz.

Havendo testamento ou incapazes, o Ministério Público é parte obrigatória para participar do inventário.

Já o processamento do inventário na via administrativa não tem espaço para a participação do Ministério Público.

Como, então, optar pela via administrativa sem ter a participação do Promotor de Justiça?

Não só a Lei 11.441/2007 surgiu em nosso sistema para diminuir o número de demandas perante o Poder Judiciário, como também outras, por exemplo, a Lei que trata da mediação como instrumento de solução de conflitos.

Surge, então, para o cidadão mais de uma opção para solucionar suas questões, um mecanismo de multiportas.

Na linha deste pensamento pode-se afirmar ter o legislador elaborados estas Leis para diminuir o número de demandas junto ao Poder Judiciário.

Se uma das finalidades, então, é a diminuição de demandas, é perfeitamente possível passar-se a entender pela ampliação (restritiva) de outras hipóteses, mesmo que isto signifique contrariar dispositivo de Lei, notadamente a necessária participação do Ministério Público.

Não é, pois, em qualquer hipótese que se pode optar pelo processamento de inventário extrajudicial quando há interesse de incapazes.

Não são isoladas as decisões judiciais autorizando o processamento do inventário de maneira extrajudicial, desde que as normas legais sejam aplicadas diretamente, de maneira igualitária, sem a necessidade de acertos ou outras providências.

Passaram a ser frequentes as decisões judiciais permitindo o processamento de inventário na forma extrajudicial mesmo havendo interesse de menores.

Na hipótese mencionada, fácil constatar a inexistência de qualquer prejuízo aos incapazes.

Por outro lado, havendo necessidade de se alterar, por exemplo, o pagamento do quinhão hereditário, aí já seria necessária a tramitação do inventário pela via judicial.

Vale ressaltar a competência técnica e a fé pública dos cartórios extrajudiciais, questão esta relevante para se ampliar as hipóteses de afastamento do Poder Judiciário.

Assim, é perfeitamente possível a tramitação de inventário, com interesse de incapazes, pela via extrajudicial, evidentemente dependo do caso e desde que não haja qualquer prejuízo para estes.

Se você, leitor, estiver nesta situação, não deixe de procurar um advogado especializado na área de Direito de Família e Sucessões, este que o acompanhará e o orientará sobre as vias possíveis e diligenciará junto a uma das varas de família a fim de obter autorização judicial para o processamento do inventário pela via administrativa.

 

A Lei Maria da Penha também vale para mulheres trans?

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É curioso como algumas questões jurídicas podem gerar estranheza até pelo simples fato de serem capazes de gerar um debate. O tema do artigo de hoje é exemplo disso. Se a pergunta que dá título a este artigo for feita a uma mulher trans, a resposta será muito clara, podendo ser assim ilustrada: “Por que não valeria? A Lei não foi feita para proteger pessoas que sofrem violência em decorrência de gênero?!”

Mas o que pode parecer muito simples para alguns, nem sempre o é para outros. Vale registrar que a aplicabilidade – ou não – da Lei Maria da Penha a mulheres trans gerou intenso debate nos tribunais de nosso país, tendo produzido decisões divergentes. Vamos ver o que prevaleceu.

A discussão chegou ao judiciário por iniciativa de Luana Emanuelle, uma jovem trans que tomou a iniciativa de denunciar o próprio pai por espancá-la durante tentativa de estupro. A luta de Luana não foi fácil – e nem breve. A violência sofrida por ela ocorreu há dois anos. Tentou se valer da Lei Maria da Penha, mas o direito lhe foi negado pelo fato de ser transsexual. O tribunal de justiça do Estado de São Paulo entendeu que a lei se aplicava às “mulheres”, não podendo tal conceito ser estendido para alguém trans…

O caso passou por todas as instâncias da justiça estadual, até chegar a Brasília, onde o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu-lhe outro rumo, proferindo julgamento a favor de Luana.

É interessante analisar o contraste entre a percepção que Luana tem dos fatos com a extensão do debate travado no processo judicial.

Visão de Luana, hoje com 19 anos de idade: “Não sei explicar muito bem, porque para mim é algo tão simples, que deveria ter sido solucionado de forma simples também” – do jornal o Estado de São Paulo de 07/04/2022. O que seria esse algo tão simples, citado por Luana?

A Lei Maria da Penha e as mulheres trans

Vejam só: segundo matéria do Estadão, a denúncia que Luana fez do próprio pai não teria deixado dúvidas sobre os fatos. Ou seja: todas as provas do espancamento da jovem e da autoria do crime foram produzidas. As autoridades policiais e o judiciário foram desafiados a aplicar ao caso as regras da Lei Maria da Penha e, neste momento, expressaram o entendimento de que tal lei se destinava apenas a mulheres, não sendo este o caso de Luana.

A Lei Maria da Penha foi criada em agosto de 2006, e traz fortes mecanismos de defesa da mulher contra violência doméstica ou familiar. Quando digo “fortes mecanismos” de defesa, quero me referir não apenas às medidas concretas previstas na lei – como a determinação de afastamento do agressor, impedindo a possibilidade de contato não só físico, mas também virtual (envio de mensagens, por exemplo) –, mas também à rapidez com que tais medidas são adotadas. A lei confere ao juiz, por exemplo, poderes para determinar o imediato afastamento do agressor do lar.

Quando as autoridades paulistas, ao analisarem o caso de Luana, entenderam que a lei não se aplicava a ela pelo fato de não ser “mulher”, demonstraram evidente confusão entre os conceitos de “sexo biológico” e “gênero”. Além de conceitual, esse tipo de equívoco encontra lastro no preconceito, na crença de que a expressão da sexualidade humana fora dos padrões da heterossexualidade seja algo “desviante”, devendo ser rechaçada ou, ao menos, não merecer respeito e proteção.

O problema é que, normalmente, não temos maturidade ou facilidade para reconhecermos nossos próprios preconceitos. Achamos “normal” aquilo que se encaixa em nossa própria subjetividade e não nos damos conta do quanto medimos o outro a partir de nossos valores e crenças. Os magistrados não são exceção a essa regra!

Preocupado em corrigir tal distorção, em 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) elaborou uma espécie de manual de orientação para os tribunais do país, o chamado Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero.

No caso de Luana, o equívoco conceitual – e, portanto, de julgamento – foi corrigido pelo Superior Tribunal de Justiça, que tem o poder de rever as decisões dos tribunais estaduais. Por unanimidade, o STJ entendeu que, por proibir a violência baseada no “gênero”, e não no sexo biológico, a Lei Maria da Penha deve, sim, ser aplicada ao caso.

Assim se pronunciou sobre o assunto o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz: “Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”.

É comum vermos algumas pessoas se revoltarem contra o que sustentam ser uma legislação discriminatória: Ah, não é justo proteger desse modo a mulher. Afinal, também tem homem que apanha de mulher, e como fica o direito dele?

Com todo o respeito, tal ponto de vista revela muita ignorância não só sobre a realidade histórica e social em que estamos inseridos, como também sobre a função do sistema jurídico. É inegável que o Brasil é um país que ainda discrimina as pessoas pelo gênero: mulheres sofrem muito mais violência não só física, mas também psicológica, moral, sexual e patrimonial do que os homens!

Uma forma de corrigir isso é criando mecanismos mais eficazes de proteção dessa população, que deve ser tida como vulnerável. E não há como excluir disso as mulheres trans!

Isso ainda gera polêmica no judiciário porque, assim como o poder legislativo, em sua maioria ele ainda é integrado por homens, cuja formação foi feita em outra época. Não por acaso, para a jovem Luana, ficou difícil entender o porquê de tanta polêmica. Afinal, vê-se como mulher, e sofreu violência praticada pelo próprio pai. Como assim, a Lei Maria da Penha para mulher trans não se aplica?!

Isso chama nossa atenção para a importância não só do que diz a lei, mas também para aqueles que se põem a interpretá-la… Afinal, no limite, a lei não será o texto legal, mas a interpretação que o judiciário dará a ele!…

No caso de Luana, mesmo que em última instância, alcançou-se uma interpretação correta. Vamos brindar a isso, e aprender que uma luta apenas termina no último round!

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Acesse a íntegra do Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-18-10-2021-final.pdf

Posso mudar meu regime de bens no curso do casamento?

mudança no Regime de bens

Quero crer que a maioria das pessoas saiba que, por ocasião do casamento, é preciso definir quais regras serão aplicadas em relação ao patrimônio do futuro casal: é o chamado “regime de bens”. Assim, quem se casa não apenas decide a respeito do nome a adotar – se vai manter o nome de solteiro(a) ou não –, mas também sobre o regime patrimonial: (a) comunhão universal de bens; (b) comunhão parcial; (c) separação total, etc.

Porém, o que talvez pouca gente saiba é que, mesmo tendo adotado determinado regime de bens, é possível alterá-lo no curso do casamento. Ou seja: o regime de bens é mutável! Mas nem sempre foi assim. Até o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor no ano seguinte, vigorava a regra da imutabilidade. Uma vez escolhido o regime de bens, haveria de valer enquanto durasse o casamento.

Embora a mutabilidade do regime de bens tenha sido trazida pelo Código Civil de 2002, apenas em 2015 teve seu procedimento regulado de forma clara por nosso sistema de leis.

A alteração do regime precisa ser solicitada pelo casal, por meio de procedimento judicial, no qual as partes deverão justificar sua pretensão. Portanto, é obrigatória a contratação de advogado. A lei também prevê participação do Ministério Público, cuja atuação se dará na perspectiva da preservação dos interesses de terceiros.

Mudança no regime de bens

Uma boa pergunta seria: Com a mudança do regime de bens, as regras do novo regime retroagem, ou apenas valem a partir da data da mudança? Em relação a terceiros, não há dúvida de que a mudança apenas pode valer para o futuro. Porém, há grande discussão no que diz respeito a seus efeitos para o casal. De qualquer modo, caso as partes queiram que a mudança retroaja para a data de celebração do casamento, deverão explicitar isso no pedido que apresentarem ao juiz.

O tema até pode parecer simples, mas, na prática, as nuances do caso concreto tornam imprescindível a consultoria de advogado especializado.

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Advogado de ambas as partes no divórcio? Cuidado!

imagem para advogado de ambas as partes

Em mais de 25 anos de advocacia na área de família, posso dizer que, como profissional, já vi e me envolvi em situações muito variadas como advogado em divórcios, imagine um advogado de ambas as partes. Tive a alegria de presenciar conflitos sendo sanados por soluções negociadas, e o desgosto de ver relações familiares se dissolverem no caldo ácido da raiva e do ressentimento. Mas poucas situações são mais desafiadoras do que as que dizem respeito à ética profissional. Por tal motivo, devem merecer nossa respeitosa atenção!

Quando o advogado é procurado por um casal que pretende se divorciar, é comum ser chamado para representar ambas as partes – isso quando tal ideia não parte dele próprio. Muitas vezes, a causa para a contratação de um único advogado de ambas as partes está na preocupação em reduzir os custos do procedimento. Pode funcionar, mas exige alguns cuidados, seja da parte contratante, seja do profissional.

Se você é a parte contratante, precisa estar seguro(a) de que o advogado de ambas as partes terá maturidade suficiente para manter-se numa posição de equilíbrio, sem pender para nenhum dos lados. A eventual “parcialidade” do profissional pode levá-lo a omitir informações importantes para a tomada de decisão, ou mesmo a induzir uma das partes a aceitar o proposto pela outra.

Mas seria possível a imparcialidade com advogado de ambas as partes?

Há quem sustente que não. No entanto, como tudo o mais no direito, prefiro pensar que “cada caso é um caso”. Existem hipóteses em que as partes possuem razoável conhecimento de seus direitos e elevado grau de discernimento, reduzindo, digamos assim, a dependência da atuação do advogado. São hipóteses em que, talvez mais importante do que o prévio conhecimento técnico dos envolvidos, seja o “espírito” que os anima no curso da separação. São casos em que, apesar da decisão de se separarem, nota-se nos envolvidos a permanência da solidariedade e do cuidado com o outro. Esse tipo de cenário harmoniza-se com a ideia de um único advogado a atendê-los.

Por outro lado, um cuidado a ser tomado pelo advogado que aceita a incumbência de atender o ex-casal é de, primeiramente, lembrar de que, caso a separação não prossiga de forma amigável, ele não poderá optar por seguir advogando para uma das partes, ressalvada a hipótese de, no início dos trabalhos, ter alertado para essa possibilidade. Por sua vez, se o fizer – o que é de rigor ético –, estará marcando sua atuação profissional com o selo da parcialidade, o que pode comprometer o bom andamento dos trabalhos…

Muitas outras nuances poderiam ser abordadas, mas extrapolariam os limites deste pequeno artigo. Fico satisfeito se tiver conseguido gerar alguma reflexão a respeito da complexidade do tema.

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Antoin Khalil é advogado especializado em Direito de Família e atua há 25 anos nesta área.

Sabia que você pode vender a totalidade ou parte da herança?

herança Frk Advogados

Pode se mostrar necessária a venda do direito à herança em razão de variados fatores, sendo exemplo mais comum a falta de dinheiro para pagamento das despesas do Inventário.

Não há impedimento para se efetivar a venda da totalidade da herança ou apenas de parte dela (um determinado bem, por exemplo) em momento anterior à finalização do inventário ou mesmo no curso do referido procedimento.

Contudo, enquanto não finalizado o inventário, os bens a serem herdados só podem ser vendidos a terceiros estranhos à herança caso os demais herdeiros não queiram comprar a parte do outro.

A venda se faz por um “instrumento público de cessão de direitos hereditários”, a ser assinado pelos herdeiros, em que um ou todos vendem a sua parte na herança.

Tenhamos em mente que referida cessão garante ao comprador  haver a titularidade dos bens comprados mas não dispensa a conclusão do Inventário, inclusive com o pagamento de todas as taxas e impostos incidentes.

Logo, é sim permitida a venda de bem herdado antes de concluído o Inventário. Entretanto, o comprador não pode deixar de lado as precauções usuais quanto à situação dos bens adquiridos, verificando, por exemplo, a inexistência de restrições e dívidas que possam comprometer o negócio e, por isso, recomenda-se a assessoria de um advogado especializado no assunto.

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Você sabe o que são alimentos compensatórios?

alimentos compensatórios

Os alimentos compensatórios são aqueles devidos quando o divórcio de um casal leva uma das partes à um grande desequilíbrio econômico-financeiro.

Na atividade diária do advogado de família é muito comum surgir a seguinte dúvida: pensão alimentícia é a mesma coisa que alimentos compensatórios? E a resposta é não. Enquanto a pensão alimentícia está ligada àquilo que diz respeito à própria subsistência de quem tem direito de recebê-la, os alimentos compensatórios decorrem do desequilíbrio econômico-financeiro que uma das partes experimenta em decorrência do divórcio. Ou seja, estas duas modalidades de alimentos têm naturezas diferentes.

Exemplificando-se para uma melhor compreensão, havendo o divórcio com significativa alteração do padrão de vida de uma das partes, recomendável a fixação de alimentos compensatórios para amenizar referida alteração, ao menos até que haja a partilha de bens.

O divórcio não pode significar a alteração sensível do padrão de vida de alguém quando a outra parte fica na administração dos bens do casal.

O Juiz, então, para suprir referido desequilíbrio fixará os alimentos compensatórios.

E, como dito acima, além de a parte ser credora dos alimentos compensatórios, demonstrando ela a necessidade, também poderá pedir ao Juiz a fixação de pensão alimentícia.

Não deixe de consultar um advogado especializado na área de família, pois é comum àquele que se separa achar que tem direito ao recebimento apenas de pensão alimentícia enquanto, a depender do caso concreto, também possa ter direito ao recebimento de alimentos compensatórios, diminuindo, com isso, os duros efeitos de um divórcio.

Efeitos do divórcio sobre o nome dos filhos

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Algumas coisas são como as goteiras: embora pareçam pequenas e insignificantes, são capazes de gerar grande aborrecimento aos envolvidos. Exemplo disso é a alteração do nome da mulher, após o divórcio, sem a correspondente atualização do registro civil dos filhos.

Para ilustrar: ao se casar, Rosana da Silva Mendes adotou o nome do marido e, com isso, passou a se chamar Rosana Mendes Garcia. O nome completo de seu marido era Felipe dos Santos Garcia. O casal teve um filho: João dos Santos Garcia, batizado apenas com o nome do pai. No registro de nascimento de João, constou como sua mãe a Sra. Rosana Mendes Garcia – ou seja, nome de casada de Rosana –, o mesmo ocorrendo com os documentos pessoais do menino.

Após algum tempo, o casal veio a se divorciar e Rosana optou por voltar a usar seu nome de solteira, qual seja, Rosana da Silva Mendes. O detalhe é que, com esse nome, rompeu qualquer vínculo aparente com o filho! Além disso, nos documentos de identificação deste, passou a figurar como sendo de sua mãe um nome que deixou de existir!

Até julho de 2019, para mudar esse cenário, havia quem sustentasse a necessidade do ajuizamento de uma ação judicial. Eu mesmo cheguei a me deparar com juízes com tal entendimento. Felizmente, a partir da referida data, graças a uma norma baixada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), firmou-se, para todo o Brasil, o entendimento de que a parte interessada poderia, por mero pedido administrativo, requerer a atualização do registro civil.

Com isso, após seu divórcio, bastará que Rosana apresente ao cartório que cuidou do registro civil de seu filho uma certidão atualizada de seu estado civil, na qual conste a informação de que ela voltou a usar o nome de solteira.

Mas o CNJ foi além: não só garantiu o procedimento acima, como também assegurou a Rosana o direito de alterar o nome do próprio filho, de modo a inserir, caso queira, seu próprio nome de família. João dos Santos Garcia poderá passar a se chamar, por exemplo, João Mendes dos Santos Garcia, ostentando, assim, o nome de família de pai e mãe. Se João já tiver mais de dezesseis anos, tal iniciativa dependerá de seu consentimento. Porém, de uma forma ou de outra, não exigirá o ajuizamento de processo judicial.

Conforme enunciado pelo próprio CNJ, o fundamento disso está no fato de que o nome representa um retrato da identidade da pessoa, estando em linha com o princípio da dignidade humana.

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Enquanto não termina o inventário, quem cuida dos bens do falecido?

inventário

Neste artigo será abordada a maneira pela qual o patrimônio do falecido, no caso um sítio, deve ser cuidado, e por quem, enquanto não termina o inventário.

Com o falecimento de alguém que deixa patrimônio surge a necessidade de cumprir formalidades para que o patrimônio passe a constar como sendo de seus herdeiros. Considere-se ter sido aberto inventário judicial, com nomeação de inventariante.

O inventariante, normalmente um herdeiro do falecido, é nomeado pelo juiz e, por força de lei, tem como uma de suas atribuições ser o responsável por cuidar dos bens do falecido enquanto o inventário não for encerrado.

Nesse sentido, se o falecido era proprietário de um sítio, cabe ao inventariante praticar os atos necessários para conservar referido bem.

Todavia, antes de o inventariante tomar qualquer atitude para tanto existem providências a serem tomadas e restrições a serem observadas, e desde que o ato a ser praticado não seja urgente.

Não pode, portanto, o inventariante, tomar as providências que entender necessárias unicamente a seu exclusivo critério, sob pena, inclusive, de ter de desfazer o que não poderia ter feito.

Nesta circunstância, e recomendável seja o inventariante representado por advogado especializado na área, necessária se faz a concordância dos demais herdeiros, inclusive do representante do Ministério Público caso participe do inventário, para, ao final, obter autorização do juiz para a prática do ato.

Tome-se como exemplo a reforma de uma piscina no sítio. O inventariante pode achar adequado reformar a piscina, pois valorizaria o sítio. Já os demais interessados, conforme acima arrolados, podem entender não haver a tal valorização e que o dinheiro a ser usado para a reforma poderia ser utilizado para outra providência.

Os atos praticados pelo inventariante estão sujeitos à fiscalização judicial não cabendo serem motivados por exclusiva conveniência.

Cabe ao inventariante consultar os demais interessados e aguardar a decisão judicial antes de tomar alguma providência, desde que não se trate de providência urgente a ser imediatamente executada.

Se você é inventariante não deixe de consultar um advogado especializado na área antes de tomar alguma providência sobre o patrimônio do falecido, sob pena de ter de arcar com as consequências, inclusive podendo ser removido do cargo.

Pai enganado sobre a paternidade pode anular o registro?

anular registro de paternidade

Imagine a seguinte situação: após quinze anos de casamento, você se divorcia de sua mulher, com a qual possui um filho já adolescente e, pouco depois, descobre que o menino é, na verdade, filho biológico de outro homem. Daí surge a pergunta: é possível tomar alguma medida para alterar o registro civil do menor, de modo a excluir essa relação de paternidade?

A situação acima descrita não é tão rara quanto possa parecer, e a resposta do direito a isso talvez o surpreenda.
Não é segredo para ninguém que, no direito de família, reina o princípio da primazia do melhor interesse do menor. O que isso significa? Significa que, em havendo menores, ao aplicar a lei ao caso concreto, o juiz procurará interpretá-la de modo a garantir que os interesses destes prevaleçam sobre os das demais pessoas envolvidas. Isso se aplica não só a disputas sobre guarda e convivência, mas sobre quaisquer outras.

Quando um homem, supondo-se pai de uma criança, contribui para com ela constituir vínculos afetivos típicos da relação paterno-filial, essa realidade passa a integrar o universo subjetivo do menor, construindo sua identidade e fazendo parte de sua personalidade. Podemos falar, aí, de uma realidade afetiva.

Portanto, na situação acima descrita, a “verdade biológica” não surge num espaço “vazio”: a ela se contrapõe a “verdade afetiva”.

Quando é possível anular o registro de paternidade?

Assim, para que o suposto pai possa ter êxito na correção do erro (anulação do registro civil do menor), precisará, no âmbito de uma ação judicial, demonstrar duas coisas: primeiro, que, ao registrar a criança, não conhecia a verdadeira origem biológica da mesma e, segundo, que não existe entre eles uma relação socioafetiva de pai e filho.

Situação mais complexa surgirá quando a relação socioafetiva até chegou a existir, vindo a se degenerar com o tempo. Neste caso, será importante demonstrar esse desgaste do ponto de vista do menor pois, como se disse no início, é o seu interesse que será analisado de forma prioritária.

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