TJSP nega exclusão de perfil em rede social por difamação de empresa

A 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento a recurso contra decisão que determinava a exclusão do perfil de usuário no Instagram. A rede social deverá, no entanto, ceder os dados cadastrais da administradora da página à empresa autora da ação, para que esta possa tomar as providências legais cabíveis.

De acordo com os autos, perfil criado na rede social Instagram enviava mensagens com conteúdo calunioso para todos os clientes seguidores da página da autora da ação. Decisão de 1ª instância determinou a exclusão da conta e o fornecimento de dados pessoais e técnicos do perfil. O réu interpôs apelação com o argumento de que a exclusão da conta ofende o princípio da liberdade de pensamento e expressão.
Em seu voto, o relator da apelação, Rodolfo Pellizari, considerou ausentes os elementos capazes de justificar a remoção integral do perfil.

“As redes sociais se caracterizam como fonte de divulgação e transmissão de informações, como corolário do princípio da liberdade de pensamento e expressão, consagrado pelo artigo 5º, inciso IV, da Constituição”,

afirmou o magistrado, acrescentando que a retiradas de conteúdo do ar deve ser o último recurso em casos de responsabilidade civil por conteúdos divulgados na internet.
O relator destacou também que não houve publicações com teor ofensivo, somente mensagens diretas a certos seguidores, “cuja solução enseja responsabilização direta da remetente, e não imposição de exclusão da conta ao Facebook”. Assim, foi determinado o fornecimento dos dados necessários para a identificação da pessoa responsável pelo perfil.

“Tal medida, no caso, é plenamente satisfatória à proteção do direito da autora, que pode se valer de ação própria em face da responsável por aquele perfil, a fim de obter direito de resposta ou indenização por dano matéria, moral ou à imagem, nos termos que a lei lhe assegura. Agindo deste modo, preserva-se o direito de ação da autora, bem como a liberdade de expressão da página combatida, já que não restou demonstrada a ocorrência de atos desabonadores à requerente na totalidade ao perfil, restringindo-se o potencial dano tão somente ao envio de mensagens internas”,

conclui Rodolfo Pellizari.

O julgamento teve a participação dos desembargadores Paulo Alcides Amaral Salles e Marcus Vinicius Rios Gonçalves. A decisão foi unânime.

Apelação nº 1006231-90.2018.8.26.0100

Imóvel pode ser penhorado sem que proprietário tenha figurado na ação de cobrança de dívida condominial

O proprietário do imóvel gerador de débitos condominiais pode ter o seu bem penhorado na fase de cumprimento de sentença, mesmo não tendo figurado no polo passivo da ação de cobrança. Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia entendido que a medida afrontava o artigo 472 do Código de Processo Civil de 1973.

O caso analisado é resultado de embargos de terceiro opostos pela proprietária do imóvel contra o condomínio, com os quais ela buscava evitar a penhora do bem – decorrente de condenação em ação de cobrança de cotas condominiais. A proprietária argumentou que o fato de a obrigação ser propter rem não a transforma em sujeito passivo da execução, pois não participou da formação do título executivo.

Em primeiro grau, o pedido da proprietária foi rejeitado. Porém, o tribunal paulista reconheceu a impossibilidade da penhora, sob o argumento de que seria inviável redirecionar a execução a pessoa que não figurou na relação jurídica originária.

No recurso ao STJ, o condomínio sustentou que, diante da característica propter rem da obrigação condominial, cada unidade imobiliária responde pelas suas despesas, independentemente de quem as originou ou da própria vontade do proprietário.

O recorrente argumentou também que, esgotados todos os meios para recebimento dos débitos e impedida a penhora, os demais condôminos ficariam claramente prejudicados, uma vez que os encargos seriam rateados entre eles, enquanto a devedora continuaria usufruindo de todos os serviços do condomínio.

Propter rem

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, explicou que a obrigação de pagamento das despesas condominiais é de natureza propter rem, ou seja, é obrigação “própria da coisa”, caracterizada pela particularidade de o devedor se individualizar única e exclusivamente pela titularidade do direito real, desvinculada de qualquer manifestação de vontade.

De acordo com a relatora, essa característica também incide sobre determinada pessoa por força de determinado direito real, isto é, só existe em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa.

Para a ministra, a obrigação propter rem é equivalente ao compromisso imposto aos proprietários e inquilinos das unidades de um prédio de não prejudicarem a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos.

Relação material

A relatora lembrou que, no julgamento do REsp 1.345.331, a Segunda Seção firmou a tese segundo a qual “o que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto”.

Nancy Andrighi também citou que, no REsp 1.704.498, a Terceira Turma decidiu pela possibilidade de a arrendatária do imóvel figurar no polo passivo de ação de cobrança de despesas condominiais, pois é ela quem exerce a posse direta sobre o bem e quem, em realidade, usufrui dos serviços prestados pelo condomínio.

Desse modo, a ministra apontou que “a ação de cobrança de débitos condominiais pode ser proposta em face de qualquer um daqueles que tenha uma relação jurídica vinculada ao imóvel, o que mais prontamente possa cumprir com a obrigação”.

Coisa julgada

O caso analisado – observou a relatora – ocorreu na vigência do CPC/1973, cujo artigo 472 define que os efeitos da coisa julgada são restritos àqueles que participam da ação judicial, não beneficiando nem prejudicando estranhos à relação processual.

“No entanto, essa regra não é absoluta e comporta exceções. Em determinadas hipóteses, a coisa julgada pode atingir, além das partes, terceiros que não participaram de sua formação”,

destacou.
Segundo Nancy Andrighi, a partir da premissa de que o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia do pagamento da dívida, dada a natureza propter rem da obrigação, pode-se admitir a inclusão do proprietário no cumprimento de sentença em curso.

“A solução da controvérsia perpassa pelo princípio da instrumentalidade das formas, aliado ao princípio da efetividade do processo, no sentido de se utilizar a técnica processual não como um entrave, mas como um instrumento para a realização do direito material. Afinal, se o débito condominial possui caráter ambulatório, não faz sentido impedir que, no âmbito processual, o proprietário possa figurar no polo passivo do cumprimento de sentença”,

afirmou.

Leia o acórdão

REsp1829663

Mulher atingida por material que caiu de construção deve ser indenizada

Mulher atingida por material que caiu de construção deve ser indenizada

Uma mulher deve receber mais de R$10 mil em indenizações após ser atingida por uma folha de compensado, que teria caído de uma construção. A decisão é da 6ª Vara Cível de Vila Velha.

De acordo com os autos, o acidente ocorreu quando a autora atravessava uma rua. Após ser atingida pelo material, ela foi levada a um hospital, onde precisou ficar internada por 16 dias devido a lesões que teve na perna e no braço. Como consequência do ocorrido, a requerente contou que teria perdido parte da sensibilidade do músculo da perna direita.

Em contestação, os responsáveis pela construção defenderam a inexistência de responsabilidade sobre o ocorrido. Eles também sustentaram que os referidos danos materiais, morais e estéticos não foram comprovados.

Em análise sobre o caso, a juíza destacou o artigo 938 do Código Civil, o qual prevê que o morador de um prédio deve ser responsabilizado pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido. Em conformidade, a magistrada também citou os artigos 937 e 932, que discorrem sobre circunstâncias das quais o acidente também se assemelha.
Em continuação, a magistrada observou a documentação apresentada pela requerente, a qual demonstra que a autora foi lesionada, bem como necessitou de cuidados médicos e repouso.

“Em depoimento, a testemunha do autor afirmou que ‘os donos da obra pediram desculpas pelo ocorrido e informaram que iriam providenciar o que fosse necessário’. Assim, conclui-se que os requeridos são responsáveis civilmente pelo dano”,

afirmou juíza.
Em decisão, a magistrada condenou os requeridos ao pagamento de R$816,12 em indenização por danos materiais, quantia referente aos gastos com medicamentos e estacionamento em unidade hospitalar. Os responsáveis pela construção também foram condenados ao pagamento de R$10 mil em indenização por danos morais.

“Observa-se que a parte autora amargou grandes transtornos, tendo sido internada e submetida a procedimentos médicos […], tendo sido inclusive afastada de suas atividades profissionais durante o período em questão”,

concluiu.

Processo n°0035307-57.2013.8.08.0035

Justiça condena shopping a pagar indenização a transexual que foi repreendida ao utilizar banheiro feminino em SP

Justiça condena shopping a pagar indenização a transexual que foi repreendida ao utilizar banheiro feminino em SP

A Justiça de São Paulo condenou um shopping a pagar uma indenização de R$ 6 mil para uma transexual que foi repreendida ao utilizar o banheiro feminino do estabelecimento. A estudante, de 17 anos, disse que se identifica com o gênero feminino desde os 10 anos.

No processo, a jovem contou que foi abordada por uma funcionária da limpeza quando estava no banheiro. Segundo a estudante, a moça lhe disse que ela não poderia usar o local e que deveria utilizar o banheiro masculino, porém, a estudante não obedeceu a recomendação.

O processo tramita em segredo de Justiça e, por isso, o G1 não teve acesso ao nome do shopping. Ainda cabe recurso da decisão.

A estudante disse ainda que, depois que a estudante saiu do banheiro, um segurança a abordou e a repreendeu alegando que clientes haviam reclamado do fato dela ter utilizado o banheiro feminino. A conversa foi gravada pela jovem que apresentou o áudio no processo.

A decisão que condenou o shopping foi dada pelo juiz Guilherme Ferreira da Cruz, da 45ª Vara Cível Central de São Paulo. Ele argumentou que o shopping “deve empreender esforços para que seus prepostos ajam da mesma forma, sendo responsável – perante seus consumidores, independentemente do que entender cabível em sede regressiva – pelos abusos que praticarem em seu nome”.
Quanto à indenização, o juiz defendeu que, por mais que os funcionários do local não tenham sido grosseiros com a transexual,

“o despropósito educado também viola direitos e causa danos, sobretudo na esfera extrapatrimonial, aqui advinda de parcela intimamente ligada aos atributos caros e intrínsecos à personalidade de uma pessoa transexual”,

disse ele.

Mulher é condenada a indenizar policial por racismo

Mulher é condenada a indenizar policial por racismo

A 18ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão que condenou uma mulher a indenizar policial vítima de racismo dentro de delegacia de Campinas. A reparação foi fixada em R$ 20 mil, a título de danos morais.Consta nos autos que o pai da ré foi levado a uma delegacia após desentendimento em um estabelecimento comercial. Chegando ao local, a ré ofendeu racialmente um dos policiais na frente de diversas testemunhas. A vítima deu voz de prisão para a mulher, que foi liberada após pagar fiança. A ré alega que não houve injúria racial, que apenas se defendeu em situação de abuso de autoridade.

De acordo com o relator da apelação, desembargador Helio Faria, “é evidente que as injúrias raciais narradas provocaram danos morais à vítima, os quais independem de consideração acerca do contexto em que foram proferidas, uma vez que nenhum elemento fático isentaria a ré da responsabilidade pelas ofensas de cunho racial”.

“Eventual abuso de autoridade, despreparo ou injusta agressão por parte do autor, assim como violenta emoção por parte da requerida não possuem relação com o teor das ofensas proferidas pela ré, que visam a diminuir a dignidade humana do autor”,

completou o magistrado.
Os desembargadores Carlos Alberto Lopes e Israel Góes dos Anjos participaram do julgamento. A decisão foi unânime.

Processo nº 0035876-48.2012.8.26.0114

Instituição financeira é responsabilizada por cobrar juros abusivos de cliente idoso

A 22ª Câmara de Direito Privado condenou, por prática abusiva, empresa de crédito pessoal que cobrou juros anuais superiores a 1.000% de cliente idoso. A decisão fixou pagamento de indenização de R$ 10 mil, a título de danos morais, devolução do dobro da quantia cobrada indevidamente e adequação dos contratos à média da prática do mercado. A turma julgadora determinou ainda a remessa de cópia dos autos à Defensoria Pública, ao Procon e ao Banco Central para que sejam tomadas as providências que entenderem necessárias.De acordo com os autos a instituição financeira celebrou três contratos de empréstimo, em meses distintos, com o autor da ação, praticando juros abusivos, muito acima da taxa de mercado. Em razão de a situação ter gerado prejuízo e claro desequilíbrio contratual, ele ajuizou ação revisional, que foi julgada improcedente, motivo pelo qual apelou.

O relator designado, desembargador Roberto Mac Cracken, afirmou que a instituição, ao realizar sucessivas contratações com o cliente, tinha conhecimento do endividamento e da inviabilidade em adimplir a dívida, o que caracteriza conduta imprópria da empresa. “Resta evidente a conduta imprópria da apelada ao reiteradamente oferecer a contratação de diversos e simultâneos empréstimos ao mesmo contratante, mesmo após este já ter se comprometido a empréstimo originário contratado a juros exorbitantes, os quais, conforme já demonstrado, alcançam o patamar de 1.050,78% ao ano (considerando-se o custo efetivo total sobre o patamar de 987,22% a.a.). Dadas as peculiaridades do caso, tendo como contratante consumidor com mais de 86 anos de idade e os inacreditáveis e absurdos juros de 1.050% ao ano, é certo que tal evento em muito supera o mero aborrecimento, ocasionando inaceitável desconforto ao autor da demanda, pessoa idosa que litiga com o benefício da justiça gratuita e indícios de vulnerabilidade, bastante a configurar o dano moral, uma vez que tal situação leva a inaceitável desgaste e desconforto, que a ordem jurídica não pode tolerar.”

O julgamento teve a participação dos desembargadores Hélio Nogueira, Matheus Fontes, Edgard Rosa e Alberto Gosson. A decisão foi por maioria de votos.

Apelação nº 1004461-83.2018.8.26.0481

Relações de vizinhança: a palavra do STJ quando os problemas moram ao lado

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXII, estabeleceu que é garantido o direito de propriedade, e que ela atenderá a sua função social. Ocorre que esse direito não é absoluto, podendo sofrer restrições para assegurar a segurança, o sossego, a saúde e outras garantias dos que habitam nas residências vizinhas.Com a finalidade de evitar o uso indevido da propriedade e coibir interferências abusivas entre moradias próximas, o Código Civil (CC) tratou em seu Capítulo V dos direitos de vizinhança. Entre os temas abordados no capítulo estão a passagem de cabos e tubulações em terrenos privados para prover serviços de utilidade pública, a passagem das águas para atender necessidades de terrenos próximos e os limites para edificação entre prédios.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), são frequentes os recursos que discutem esses temas. A jurisprudência construída pelos ministros no julgamento de tais processos busca proteger o direito individual de propriedade e, ao mesmo tempo, promover o bem da coletividade e preservar a convivência harmônica e saudável entre vizinhos.

Construção de aqueduto

Em setembro de 2016, no REsp 1.616.038, a Terceira Turma do STJ decidiu que o proprietário de imóvel tem o direito de construir aqueduto no terreno do seu vizinho, independentemente do consentimento deste, para receber águas provenientes de outro imóvel, desde que não existam outros meios de passagem da água para a sua propriedade e que haja o pagamento de prévia indenização ao vizinho prejudicado.
Na ação, uma empresa demandou outra objetivando o reconhecimento do direito de usar parte da sua propriedade para passar aqueduto e, assim, obter água para a irrigação de lavoura de arroz, mediante indenização.

Na primeira instância, o pedido foi julgado procedente para instituir servidão de aqueduto no terreno da empresa vizinha. Houve apelação, e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reconheceu que a empresa detentora do terreno de passagem de água tinha o dever de suportar a obra em sua propriedade, por se tratar de direito de vizinhança. O tribunal determinou ainda que fosse removida da sentença a determinação de registro da servidão de aqueduto na matrícula do imóvel supostamente serviente.

Ao STJ, a empresa que teria seu imóvel afetado pela construção do aqueduto alegou que deveria haver um direito real à água, que seria pressuposto à constituição da servidão de aqueduto e que somente poderia ser reconhecido ao imóvel contíguo às águas. Ela sustentou que não se pode desviar água de forma artificial em favor de um imóvel que não a receba naturalmente.

Natureza do direito

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, para decidir casos como o analisado, é preciso determinar a natureza do direito envolvido – se direito de vizinhança ou se servidão, já que esta última decorre de declaração expressa dos proprietários, ao passo que aquele é legalmente definido.
“Os direitos de vizinhança têm por finalidade regulamentar, por meio da lei, os próprios limites do direito de propriedade em relação aos demais direitos de propriedade”, enquanto na servidão,

“por meio de uma relação jurídica de direito real, um prédio, dito serviente, submete-se a alguma utilidade em favor de outro prédio, dito dominante, transferindo-lhe certas faculdades de uso e de fruição”

– explicou a ministra.
Nancy Andrighi destacou que o direito à água e ao seu curso e transporte é tema de grande importância para a sobrevivência de toda a sociedade, possuindo nítido caráter social. Além disso, a relatora lembrou que atualmente a água é considerada bem de domínio público, que a todos pertence – ainda que esteja em propriedade privada.

“O direito à água essencial é, portanto, sob a ótica do direito civil, um direito de vizinhança, um direito ao aproveitamento de uma riqueza natural pelos proprietários de imóveis que sejam ou não abastecidos pelo citado recurso hídrico.”

Único meio

Porém, a magistrada asseverou que a identificação de um direito abstrato à água não conduz, necessariamente, ao reconhecimento do direito de vizinhança de exigir do vizinho a passagem de aqueduto; é preciso comprovar que não há nenhum caminho público até a fonte de água.

“Se houver outros meios possíveis de acesso à água, não deve ser reconhecido o direito de vizinhança, pois a passagem de aqueduto, na forma assim pretendida, representaria mera utilidade – o que afasta a incidência do artigo 1.293, restando ao proprietário a possibilidade de instituição de servidão, nos termos do artigo 1.380 do CC/2002.”

Nancy Andrighi acrescentou que, por se tratar de direito de vizinhança, a única exigência para a construção do aqueduto neste caso – em que a irrigação do plantio de arroz de um vizinho depende da transposição do imóvel do outro – é o pagamento de prévia indenização.

Abertura de janelas

No REsp 1.531.094, de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma entendeu que a proibição de abrir janelas, ou fazer terraço ou varanda, a menos de um metro e meio do terreno vizinho – artigo 1.301, caput, do CC – não pode ser relativizada, pois as regras e vedações contidas no capítulo relativo ao direito de construir possuem natureza objetiva e cogente.

Na origem do caso, uma proprietária propôs ação demolitória contra seu vizinho objetivando a derrubada de segundo pavimento construído por ele em desacordo com a legislação municipal, além do fechamento de janelas voltadas para o imóvel dela a menos de um metro e meio da divisa entre os dois terrenos.

O juízo de primeiro grau determinou ao vizinho a regularização da edificação em sua propriedade. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença ao entendimento de que as janelas abertas pelo réu, apesar de situadas a menos de um metro e meio da divisa entre os lotes, não possibilitam a visão direta das áreas internas do imóvel da vizinha.

Ao STJ, a proprietária alegou que a regra do artigo 1.301, caput, do CC evidencia uma limitação legal ao direito de construir, que não se limita ao campo de visão e independe da aferição acerca da existência ou não de ofensa à privacidade do interior do imóvel vizinho.

Proibição objetiva

Em seu voto, o relator acolheu as alegações da autora da ação. Segundo o magistrado, de fato, as regras e proibições atinentes ao direito de construir previstas no CC são de natureza objetiva e cogente, “traduzindo verdadeira presunção de devassamento, que não se limita à visão, englobando outras espécies de invasão (auditiva, olfativa e principalmente física, pois também buscam impedir que objetos caiam ou sejam arremessados de uma propriedade à outra), de modo a evitar conflito entre os vizinhos”.

“A proibição é objetiva, bastando para a sua configuração a presença do elemento objetivo estabelecido pela lei – construção da janela a menos de metro e meio do terreno vizinho –, de modo que independe da aferição de aspectos subjetivos relativos à eventual atenuação do devassamento visual, por exemplo”.

Prescrição

Ao julgar o REsp 1.659.500, a Terceira Turma do STJ firmou a tese de que, no caso de danos permanentes causados por um vizinho a outro, o marco inicial do prazo prescricional para ajuizar ação de reparação civil se renova diariamente enquanto não cessar a causa do dano.

A decisão veio após o colegiado analisar recurso especial de uma empresa de telefonia contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5 mil, por suposto abandono de terreno de sua propriedade, causando prejuízos a uma residência vizinha.

Segundo consta dos autos, a vizinha alegou que a propriedade da empresa era utilizada para consumo de drogas, depósito de lixo e até como “banheiro público”, prejudicando a sua saúde e a de sua família.

A empresa asseverou que o ajuizamento da ação e sua citação ocorreram mais de três anos após a apontada violação de direito, estando, portanto, consumada a prescrição.

Cessação

Em seu voto, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, de fato, o prazo de prescrição previsto no artigo 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil de 2002 para a reparação civil é de três anos, porém esse prazo não pode ser contado a partir do início do evento danoso, e sim do seu encerramento.

“Não há que se falar em ocorrência de prescrição na hipótese de danos constantes e permanentes e que subsistem até o ajuizamento da demanda. Afinal, se o dano decorre de causa que se protrai no tempo, é a partir da cessação da causa que passa a fluir o prazo prescricional”, afirmou a magistrada.

Queimadas

A Quarta Turma, no REsp 1.381.211, manteve decisão do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) que condenou um fazendeiro a pagar indenização por danos morais e materiais ao proprietário de fazenda vizinha, em razão de queimada praticada em seu terreno ter atingido a propriedade ao lado, causando morte de animais, degradação do solo e destruição de cercas e pastagens. A relatoria foi do ministro Marco Buzzi.

Em sua defesa, o réu alegou que não poderia ser culpado pelo incêndio, pois sua propriedade estava sob a responsabilidade de comodatário que desenvolvia atividade agrícola no local. Alegou também que, diferentemente do entendido pelo TJTO, o caso não tratava de responsabilidade ambiental e, sim, de responsabilidade civil tradicional.

As alegações não foram acolhidas pelo colegiado, que entendeu, a partir das características do dano, tratar-se de lesão ambiental na modalidade individual, reflexa ou por ricochete.

“O conceito de dano ambiental engloba, além dos prejuízos causados ao meio ambiente, em sentido amplo, os danos individuais, operados por intermédio deste, também denominados danos ambientais por ricochete – hipótese configurada nos autos, em que o patrimônio jurídico do autor foi atingido em virtude da prática de queimada em imóvel vizinho”, destacou o relator.

Responsabilidade objetiva

Quanto à modalidade de responsabilização, Marco Buzzi lembrou que tanto a Constituição Federal quanto a Lei 6.938/1981 preveem a responsabilidade objetiva nos casos de dano ambiental, respondendo direta ou indiretamente todo aquele que lesionar o meio ambiente.

“A excludente de responsabilidade civil consistente no fato de terceiro, na seara ambiental, só poderá ser reconhecida quando o ato praticado pelo terceiro for completamente estranho à atividade desenvolvida pelo indigitado poluidor, e não se possa atribuir a este qualquer participação na consecução do dano – ato omissivo ou comissivo, o que não se verifica na hipótese, consoante estabelecido nas instâncias ordinárias.”

O magistrado ressaltou que “o fato de o proprietário não ser o possuidor direto do imóvel não afasta sua responsabilidade, vez que conserva a posse indireta e, em consequência, o dever de vigilância em relação ao bem”.

Averbação premonitória não gera preferência em relação à penhora posterior feita por outro credor

Introduzida pelo artigo 615-A do Código de Processo Civil de 1973 e também prevista pelo artigo 828 do CPC de 2015, a averbação premonitória consiste na possibilidade de anotar a existência de um processo executivo no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos à penhora, arresto ou indisponibilidade, configurando fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação.Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), porém, esse ato não implica preferência do interessado que o realizou, em prejuízo de posterior penhora efetivada por outro credor. O direito de preferência será do primeiro credor que promover a penhora judicial.

Nos autos que deram origem ao recurso, uma empresa de calçados conseguiu penhorar bens do devedor e requereu sua adjudicação, mas o pedido foi indeferido sob o argumento de que a averbação premonitória feita anteriormente pelo Banco do Brasil resguardaria ao credor mais cauteloso o direito de preferência do crédito registrado.

A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Segundo o tribunal, a averbação premonitória não retira o poder de disposição do executado sobre o bem, porém eventual transferência será considerada ineficaz em face da execução averbada, nos termos do artigo 615-A do CPC/1973.

Ordem das penhoras

Relator do recurso da empresa de calçados no STJ, o ministro Antonio Carlos Ferreira apontou que o termo “alienação” previsto no CPC anterior se refere ao ato voluntário de disposição patrimonial do devedor. De acordo com o ministro, a hipótese de fraude à execução não se compatibiliza com a adjudicação forçada, realizada em outro processo de execução, no qual tenha sido efetivada primeiro a penhora do mesmo bem.

Segundo o relator, o alcance do artigo 615-A se dá exclusivamente em relação à ineficácia das alienações voluntárias em face da execução promovida pelo credor que promoveu a averbação, mas não impede a expropriação judicial, cuja preferência será definida de acordo com a ordem de penhoras, nos termos dos artigos 612, 613 e 711 do CPC/1973.

“Sendo certo que a averbação premonitória não se equipara à penhora, força concluir que aquela não induz preferência do credor em prejuízo desta. Em suma, a preferência será do credor que primeiro promover a penhora judicial”,

concluiu o ministro, ao afastar a preferência do Banco do Brasil e determinar que o TJRS examine o pedido de adjudicação da empresa de calçados.
Leia o acórdão

REsp1334635

Para Primeira Turma, CNH vencida vale como identificação pessoal, inclusive em concurso público

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, em decisão unânime, que o prazo de validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) diz respeito apenas à licença para dirigir, o que não impede o uso do documento para identificação pessoal.Dessa forma, segundo o colegiado, o candidato que apresente CNH vencida para identificação não pode ser impedido de fazer prova de concurso público, ainda que o edital expressamente vede o uso de documentos com prazo de validade expirado.

“Revela-se ilegal impedir candidato de realizar prova de concurso, sob o argumento de que o edital exigia documento de identificação dentro do prazo de validade, uma vez que não foi observado o regime legal afeto ao documento utilizado”,

frisou o relator do recurso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

Vedação no edital

O caso envolveu uma candidata que foi impedida de fazer a prova para o cargo de cirurgiã dentista no concurso da Secretaria de Saúde do Distrito Federal porque a CNH apresentada ao fiscal estava vencida.

Com o objetivo de garantir o direito à realização de nova prova, a candidata impetrou mandado de segurança ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), o qual negou o pedido sob o fundamento de que o edital era expresso quanto aos documentos que poderiam ser usados para identificação, além de esclarecer que outros documentos ou aqueles fora do prazo de validade não seriam aceitos.

Para o tribunal, o edital é o instrumento regulador do concurso, ou seja, se qualifica como lei entre as partes, devendo seus preceitos serem rigorosamente cumpridos, salvo se houver flagrante ilegalidade – e isso não teria sido constatado na hipótese.

Única razão

Ao analisar o recurso no STJ, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho lembrou que recentemente, no julgamento do REsp 1.805.381, sob a relatoria do ministro Gurgel de Faria, a Primeira Turma já havia firmado o entendimento de que o prazo de validade da CNH “deve ser considerado estritamente para se determinar o período de tempo de vigência da licença para dirigir, até mesmo em razão de o artigo 159, parágrafo 10, do Código de Trânsito Brasileiro condicionar essa validade ao prazo de vigência dos exames de aptidão física e mental”.

Naquele julgamento, o colegiado afirmou que “não se vislumbra qualquer outra razão para essa limitação temporal constante da CNH, que não a simples transitoriedade dos atestados de aptidão física e mental que pressupõem o exercício legal do direito de dirigir”.

Para Napoleão Nunes Maia Filho, no caso do concurso público, “não há violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas tão somente a utilização dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para se afastar a restrição temporal no uso da CNH para fins de identificação pessoal”.

Dilação probatória

Apesar desse entendimento, a turma negou provimento ao recurso da candidata, pois ela não comprovou ter sido eliminada por causa da CNH vencida. O mandado de segurança, que existe para proteger direito líquido e certo, exige que os documentos capazes de comprovar as alegações do impetrante sejam apresentados de imediato, pois não há possibilidade de produção posterior de provas.

O relator observou que a impetrante apenas juntou cópia do documento no qual pediu aos organizadores do concurso a realização de nova prova. “Não consta dos autos qualquer elemento de prova a indicar que a candidata foi eliminada do certame por ter feito uso da CNH com data de validade vencida, de forma que tais alegações deveriam ter sido veiculadas em ação ordinária, a qual admite dilação probatória.”

Não havendo prova do direito líquido e certo, concluiu o ministro, “o acolhimento das razões recursais é inviável na via estreita do mandado de segurança”.

Leia o acórdão

RMS48803

Segunda Seção fixa teses sobre atraso na entrega de imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida

Em julgamento de recurso especial repetitivo (Tema 996), a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou nessa quarta-feira (11), por unanimidade, quatro teses relativas aos contratos de compra de imóvel na planta no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida, especificamente para os beneficiários das faixas de renda 1,5; 2 e 3.As teses – que consolidam entendimentos já firmados pelo STJ em julgamentos anteriores e, segundo o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, terão eficácia vinculante em todo o território nacional – são as seguintes:

1) Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

2) No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

3) É ilícita a cobrança de juros de obra, ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.

4) O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

No julgamento do recurso repetitivo, a Segunda Seção também entendeu que a aplicação das teses deveria ser limitada a imóveis residenciais, tendo em vista que a aquisição de imóvel comercial não foi contemplada pelo Minha Casa, Minha Vida, conforme fixado pela Lei 11.977/2009.

No mesmo sentido, o colegiado concluiu não ser relevante fazer distinção entre o imóvel adquirido para moradia e o bem comprado a título de investimento, uma vez que, nos negócios regidos pelo programa governamental, só é permitida a aquisição com a finalidade de residência própria.

Apesar de não ter havido determinação de suspensão da tramitação de processos nas instâncias ordinárias, de acordo com o Banco Nacional de Demandas Repetitivas do Conselho Nacional de Justiça, pelo menos oito mil ações com temas semelhantes tramitavam nos tribunais de todo o país e agora poderão ser decididas com base no precedente qualificado firmado pelo STJ.

Faixas de renda

O recurso especial julgado pela Segunda Seção foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo fixado em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). Conforme lembrou o ministro Marco Aurélio Bellizze, nos termos do artigo 256-H do Regimento Interno do STJ, os recursos especiais contra acórdãos que julguem o mérito de IRDR devem ser processados como representativos de controvérsia.

O ministro também ressaltou que o programa Minha Casa, Minha Vida foi instituído pela Lei 11.977/2009 com o objetivo de criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias de baixa e média renda, em observância ao direito fundamental à moradia digna.

O programa, realçou o relator, estabelece diferentes faixas de renda para acesso aos benefícios. Na faixa 1 estão famílias com renda bruta de até R$ 1,8 mil – ou, se comprovarem situação de vulnerabilidade social, até R$ 3,6 mil – e, para este grupo, o programa se assemelha muito mais a um benefício social com contrapartida do que propriamente a um contrato de promessa de compra e venda de imóvel.

Por outro lado, no caso das faixas 1,5, 2 e 3 do Minha Casa, Minha Vida – em que a renda bruta familiar chega a R$ 7 mil –, embora exista a possibilidade de o beneficiário obter subvenção econômica por meio de recursos como o FGTS, há efetivamente a realização de financiamento imobiliário, com incidência de juros (ainda que reduzidos), formação de saldo devedor, contratação de seguro e pagamento de comissão de corretagem, entre outros.

“Cabe ressaltar que, por toda a situação peculiar que envolve a faixa 1 de renda, inclusive por se tratar de beneficiário que, pelos motivos expostos, não está submetido às regras consumeristas, as teses fixadas no julgamento destes recursos serão aplicadas apenas aos contratos firmados para as faixas de renda 1,5, 2 e 3”,

explicou o relator.

Prazo certo

Em relação à primeira tese, sobre a fixação de prazo certo nos contratos de aquisição associativa de unidades residenciais, Bellizze apontou que a matéria relativa ao prazo para a formação do grupo de adquirentes, bem como para obtenção do financiamento, não está regulada especificamente por nenhuma das leis aplicáveis ao contrato de compra e venda de imóvel no âmbito do Minha Casa, Minha Vida. Estão entre esses diplomas legais a Lei 11.977/2009, a Lei 4.591/1964, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Mesmo assim, Bellizze disse que o fato de o contrato ser regido pelas regras de crédito associativo e ser voltado a famílias de média e baixa renda não pode ser utilizado como argumento para justificar a estipulação de prazo aberto à conclusão da obra, tendo em vista que os negócios disciplinados no programa não retiram do vendedor o ônus do risco da atividade econômica, além de serem lucrativos para as empresas envolvidas – desde 2009, o programa já permitiu o investimento de valores que ultrapassam R$ 270 bilhões.

Segundo Bellizze, tratando-se de contratos que regulam as relações de consumo, o aderente só se vincula às disposições neles inseridas se lhe for dada a oportunidade de conhecimento prévio de seu conteúdo, condição que se aplica aos contratos de compra e venda de imóvel. Nesse sentido, o artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor considera nulo de pleno direito, entre outras, a cláusula contratual que coloque o consumidor em situação de desvantagem exagerada, como aquela que restringe direitos ou obrigações fundamentais à natureza do contrato.

Para o ministro, de nada adiantaria a estipulação de prazo certo e expresso “se ele for fixado de maneira apenas estimativa e condicional, ficando vinculado, ainda, a um evento futuro, no caso, à data de obtenção do financiamento pelo adquirente ou àquela que for determinada pelo agente financeiro no referido contrato. Isso acaba por atribuir à incorporadora o direito de postergar a entrega da obra por prazo excessivamente longo e oneroso para o comprador, a ponto de afastar, inclusive, o próprio risco da atividade, que pertence à empresa”.

Prejuízo presumido

No tocante à segunda tese, relativa ao descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, Marco Aurélio Bellizze destacou precedentes do STJ no sentido de que, no âmbito do financiamento pelo Sistema Financeiro da Habitação, é cabível a fixação de lucros cessantes em razão do descumprimento do prazo para a entrega do bem, incidindo a presunção de prejuízo do promitente comprador.

De acordo com o relator, o fato de o imóvel não entregue ter sido adquirido sob a disciplina do programa Minha Casa, Minha Vida não afasta a presunção de prejuízo, pois, conforme jurisprudência do STJ, a condenação da parte vendedora por lucros cessantes independe inclusive da demonstração da finalidade negocial da transação.

“No caso, a obrigação de indenizar decorre do prejuízo, que se presume ter o titular sofrido, por não ter se apossado do imóvel na data aprazada. É evidente que a previsão contratual criou a justa expectativa de que o adquirente pudesse usufruir o bem, daí que, se não o faz por razões oponíveis à incorporadora, surge o dever de reparar, independentemente da realização de prova específica do prejuízo”,

afirmou.

Juros de obra

Sobre a questão dos chamados “juros de obra”, o relator citou precedentes no sentido de que não se considera abusiva cláusula contratual que preveja a cobrança de juros antes da entrega das chaves. Segundo Bellizze, não havendo distinção significativa entre as regras do SFH e do Minha Casa, Minha Vida para as faixas de renda 1,5, 2 e 3, também não haveria motivo para se adotar tratamento diferenciado em relação ao reconhecimento da legalidade da cobrança de juros durante a evolução da obra.

“Com efeito, na disciplina do PMCMV, sob a modalidade do crédito associativo, é legal a incidência de juros de obra durante o período de construção do imóvel, cessando a sua aplicação com a entrega da unidade, quando terá início a fase de amortização do saldo devedor do financiamento contratado com o agente financeiro.”

Como consequência, ressaltou o relator, ultrapassado o prazo para a conclusão do empreendimento, não podem ser cobrados encargos para incidir no período da construção, já que o mutuário não pode ser responsabilizado pela remuneração do capital empregado na obra quando houver atraso por culpa imputável apenas à vendedora, sob pena de violação do Código Civil e do CDC.

Correção monetária

A última tese fixada pela Segunda Seção diz respeito à correção monetária do saldo devedor no caso de atraso na entrega do imóvel. Segundo o relator, as turmas de direito privado do STJ firmaram entendimento de que, embora o descumprimento do prazo de entrega não constitua causa de suspensão da incidência de correção monetária sobre o saldo devedor, tal fato permite a substituição do indexador setorial – em regra o Índice Nacional de Custo de Construção (INCC) pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA), salvo quando o primeiro for menor.

“Essa solução mostra-se adequada ao reequilíbrio da relação contratual, nos casos de atraso na conclusão da obra, não devendo ser implementada a substituição do indexador específico do saldo devedor pelo geral, vale insistir, apenas quando o índice previsto contratualmente for mais favorável ao consumidor, avaliação que se dará com o transcurso da data limite estipulada no contrato para a entrega da unidade, incluindo-se eventual prazo de tolerância”,

concluiu o ministro.

REsp1729593

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