A interdição é um processo judicial. Nele, é avaliada a capacidade de determinada pessoa de tomar decisões por conta própria e, a partir disso, sua necessidade de ter apoio. Nesse tipo de processo, há intervenção obrigatória do Ministério Público, que atua para garantir que todo o procedimento transcorra em conformidade com o rito legal.
É fundamental aí a produção de laudo técnico, que pode ser resultado do trabalho de equipe multiprofissional, de modo a fornecer ao juiz os subsídios necessários para declarar a incapacidade de alguém, do que decorrerá a nomeação de um curador.
Ação de Interdição
Normalmente, a ação de interdição é movida quando o interdito é titular de patrimônio. É que tal circunstância obriga a tomar decisões visando à sua gestão. Exemplo: Maria é proprietária de três imóveis. Reside num deles e loca os demais, usando a renda para sua subsistência. Com o tempo, começa a apresentar sintomas de Alzheimer e deixa de ter condições de cuidar de si e de seus bens. Possuindo parentes próximos, estes passam a cuidar dela. Mas, e quanto aos imóveis locados? Como gerir os contratos de locação (cobrar e receber aluguéis; firmar contratos com novos inquilinos, etc.)?
Como sabemos, uma vez que esteja com as faculdades mentais comprometidas, Maria não poderá passar procuração a ninguém e, quanto às que possa ter feito em período anterior, automaticamente perderão a validade.
Maria precisará de alguém que a represente de maneira oficial, de modo que possa, por meio de um representante, continuar celebrando e administrando seus contratos. Esse representante recebe o nome de “curador” e haverá de ser nomeado por um juiz no curso do processo de interdição.
Normalmente, o processo de interdição é movido pelo cônjuge ou por algum parente próximo: irmão, filho, sobrinho, que pede sua nomeação como curador da pessoa acometida de incapacidade, seja tal incapacidade momentânea ou permanente.
Essa parte da história muitas pessoas já conhecem. O que nem todos sabem é o que vem depois: uma vez assumida a função de curador, este passa ter a obrigação legal de prestar contas de sua gestão. O que significa isso?
Fiquemos em nosso exemplo. Maria tem dois imóveis para locação. Após o diagnóstico de Alzheimer e sinais evidentes de incapacidade, o juiz nomeia Paulo, seu irmão, como curador.
Após a nomeação, Paulo passa a ter a obrigação de informar, periodicamente, o valor dos aluguéis e outras rendas eventualmente recebidas por ela, bem como das despesas que ele venha a ter com Maria.
Isso é feito por meio de uma nova ação judicial, de prestação de contas, a ser apreciada pelo mesmo juiz que acatou o pedido de interdição de Maria.
Qual é a periodicidade da ação de prestação de contas?
A lei permite que as contas sejam exigidas pelo juiz com a periodicidade que achar conveniente.
Em nosso escritório, há mais de vinte anos representamos os interesses de uma curadora.
Ela cuida de uma irmã, desde muito cedo diagnosticada com esquizofrenia, e cujas contas são apresentadas anualmente, respeitado o exercício fiscal.
Parece-me razoável o período anual, que tem sido adotado, sem dificuldade, em todos os casos nos quais atuamos.
Como as contas devem ser apresentadas?
Salvo hipóteses de elevada complexidade, o que é raro, nas quais se possa exigir que as contas sejam apresentadas na forma mercantil, basta que o sejam de modo claro e transparente.
É fundamental que os números apresentados (débitos e créditos) estejam lastreados em documentos idôneos.
Da confrontação entre os créditos e débitos lançados no período considerado, apura-se um saldo, que pode ser positivo ou negativo.
Tudo isso é providenciado pelo curador na ação de prestação de contas, e passa pelo crivo de um contador judicial.
Havendo parecer favorável à aprovação das contas, são elas “julgadas boas” pelo juiz.
Quais são os efeitos do julgamento das contas?
Para melhor compreensão dos efeitos do julgamento das contas, darei um exemplo.
Suponhamos que toda a renda mensal de Maria – considerando benefício previdenciário e aluguéis recebidos de seus imóveis – some R$ 5 mil reais ao mês, e que suas despesas (vestuário, alimentação, medicamentos, etc.) sejam de R$ 6 mil.
Ou seja: Paulo, seu irmão e curador, acaba tendo de arcar com uma diferença de R$ 1 mil, todo mês, para cuidar dela.
No período de um ano, isso acaba atingindo R$ 12 mil!
Demonstrada tal circunstância na ação de prestação de contas, a aprovação das contas gerará um crédito para Paulo, em face de sua irmã, da ordem de R$ 12 mil no período de um ano.
Além disso, a lei prevê que, a partir da sentença que julga boas as contas em definitivo, é possível acrescer ao saldo o valor de juros (CC, Art. 1.762 c/c 1.781).
E se as contas não forem apresentadas?
Se estiver à frente de uma gestão patrimonial, o curador é obrigado a prestar contas, sob pena de destituição.
Caso ocorra a destituição do curador e venha a ser apurada a apropriação de valores pertencentes ao curatelado, será aquele condenado a restituir o valor, sem prejuízo das medidas criminais cabíveis.
Quando se pretende obter a curatela de alguém, é fundamental lembrar da eventual necessidade de prestar contas.
Quem tiver ciência disso conseguirá se organizar de modo mais eficiente para se desincumbir da obrigação.
Já presenciei a angústia de curadores que, apenas quatro ou cinco anos depois de sua nomeação, vieram a descobrir que tinham de prestar contas… Muitos documentos importantes deixaram de ser providenciados ou se perderam no curso desse tempo.
A função do curador permanece enquanto durar a curatela. Evidentemente, a morte do curatelado encerra automaticamente a curatela.
Mas o que ocorre com as contas não prestadas no período que antecedeu essa morte? Fica o curador dispensado de apresentá-las?
Nesse ponto, as decisões judiciais apresentam nuances importantes. Vale registrar que a morte do curatelado não dispensa o curador de apresentar contas.
No entanto, esse fato insere tal obrigação numa nova moldura jurídica, na medida em que o resultado da prestação de contas não terá mais por foco a preservação dos interesses do curatelado, e sim de pessoa que esteja em sua linha sucessória (possível herdeiro).
Isso leva a soluções variadas, de acordo com os detalhes do caso concreto.
Como vemos, o assunto é complexo e recomenda o acompanhamento de um especialista, preferencialmente no momento em que se examina a necessidade de interditar alguém, de modo a permitir um bom planejamento de todo o arco de responsabilidades que recairão sobre o candidato a curador.
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Artigos:
Curatela, interdição e laudo médico – https://aprovacao.website/frk/curatela-interdicao-e-laudo-medico/
É possível vender um bem de pessoa interditada? – https://aprovacao.website/frk/vender-um-bem-de-uma-pessoa-interditada-curatelado/
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Vídeos:
O que é interdição e quando ela é necessária? https://youtu.be/Z_xvaIXQG1k
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